quinta-feira, junho 21, 2007

O que é que o teatro tem?


Tá rolando aqui em Mannheim o "14. internationale Schillertage", festival de teatro em homenagem a Friedrich Schiller, autor alemão contemporâneo do Goethe. Parece que está bem legal, pelo menos do ponto de vista da organização, além do programa ter alguns grupos sulamericanos se apresentando - "Schiller in Südamerika". Vai ter um peça com o famoso e alternativo Grupo Oficina, do Zé Celso Martinez Correa. Vão interpretar "Os bandoleiros", falando em português com legendas em alemão nos telões. Bacana, não?

Comentei isso com o Pascal, meu professor de alemão, e daí que iniciamos uma conversa no meio da aula sobre teatro, caindo depois para dança, cinema, música etc.

Já assisti há um bom número de peças de teatro, algumas comédias, outras experimentais no Sesc com o Antunes Filho e outros diretores, também lá no Oficina, outras simplesmente porque haviam atores famosos do calibre do Paulo Autran, já assisti espetáculo na Broadway e os musicais no teatro Abril em Sampa. Não posso me considerar um connoisseur e realmente não sou um assíduo frequentador de teatro, mas independente disso, uma coisa nunca aconteceu comigo assistindo uma peça: ser totalmente arrebatado pelo enredo, pela atuação dos atores, me emocionado, ter viajado pra dentro da peça e só despertado quando tudo acabou. Também nunca fui embora do teatro pensando: "Puta que pariu, uau... incrível!". Nunca uma peça me tocou e me deixou de queixo caído, me fez chorar, ter uma emoção triste ou feliz, boa ou ruim, que tenha me marcado.

Já li, vi na TV e ouvi muito sobre teatro, sobre a magia que ele tem, sobre a intimidade que se cria entre os atores e a platéia, sobre essa sintonia tão celebrada que só o teatro teria o poder de trazer. Acho que quase 100% dos atores que atuam em teatro, cinema e TV, tem o teatro como seu local preferido. Dizem normalmente que são veículos diferentes e blá blá blá, mas sempre tem uma queda pelos mistérios do palco.

[Dançarinos do Grupo Corpo em "Lecuona"]

Meu o problema é exatamente esse: nunca, nunca mesmo, tive uma experiência intensa com essa arte, algo inesquecível. A tal da intimidade tão comentada, pra mim funciona exatamente ao contrário - acabo mantendo sempre um distanciamento, meu lado racional acaba sempre prevalecendo.

O Pascal, que por acaso é grego e fez muito teatro na época da universidade, disse que experimentou isso apenas uma única vez, na Grécia, na cidade onde o teatro foi inventado lá a trocentos anos antes de cristo. Disse que era um teatro lindíssimo, a céu aberto, que no dia estava um céu cheio de estrelas, que era uma peça clássica grega etc. Não sabe explicar o que aconteceu, mas disse que foi uma das experiências mais marcantes e mágicas da vida dele.


[Bjork e Catherine Deneuve em "Dancer in the Dark"]

Ficamos depois discutindo que já vivemos isso com outras artes, como o cinema e a dança. No meu caso, tenho alguns exemplos: o filme "Dancer in the Dark" do dinamarquês Lars von Trier (é um musical, a Bjork interpreta uma mãe quase cega, trabalhadora de uma fábrica, que faz tudo e junta todas as economias para pagar um operação pra seu filho também quase cego - é um baita drama, sensibilíssimo, me lembro bem das caras minha, da Vi e de outras pessoas no cinema, simplesmente chocados e emocionados), o filme "As pontes de Madison" (que estória de amor! acho que já vi umas 5 vezes e sempre fico torcendo no final pra Meryl Streep sair do carro, largar o maridão e se mandar pro mundo com o Clint Steawood), um espetáculo de dança do grupo Corpo de Belo Horizonte, chamado "Lecuona" (eles dançam músicas de um compositor e pianista cubano chamado Ernesto Lecuona, são todas canções entre o clássico e popular, com letras de amor desesperado e abandono, sempre com um casal dançando - o cenário é todo negro, não se via nada, apenas os dançarinos com suas roupas vermelhas ou azuis, interpretando o drama das músicas), um show específico da Bethânia, o Brasileirinho...


Fico aqui pensando: O que há de errado comigo? Por que nunca experimentei isso no teatro? :-)

Não sei, não sei. Mas tudo bem. Tenho fé que ainda verei algo assim. O universo há de conspirar, eu hei de acordar um dia com o pé direito, em um "good hair day", quando os deuses do teatro deixem as coxias e venham me cutucar. O negócio é continuar tentando, não é mesmo?

Vamos ver, amanhã faço outra tentativa - gastamos 18 euros cada e compramos dois ingressos pra ver o Oficina. Não tenho nada a perder, no pior caso prestigiarei os brasucas em suas aventuras na Alemanha e vou ouvir um pouco de português! :-)

E você, já teve alguma experiência assim? Que peça te transportou pra outros mundos? Me conta aí, vai logo, anda...

2 comentários:

bibi move disse...

Cara, aproveita porque o teatro alemao é alucinante!!
E Shieller é um cara muito contemporaneo ainda hoje, como sua idéia de Spieltrieb por exemplo, super atual. Tente assistir o máximo de coisas nesse evento.

valéria mello disse...

Isso me aconteceu em uma peça que tinha o Luis Mello e mais um casal de atores, o palco era muito simples, sem cenário, só com algumas cadeiras. Eles contavam e representavam alguns contos de um autor russo, a força do espetáculo estava na palavra, e a iluminação dava uma contribuição enorme. Eu cheguei a ver a noite escura iluminada pela lua, a montanha coberta de neve por onde o casal deslizava de trenó, uma estação de trem... Foi uma viagem mesmo!