quinta-feira, março 15, 2007

Chico Buarque foi preso em Paris

Li essa crônica do Mario Prata lá no site dele, www.marioprataonline.com.br. Muito boa!

Chico Buarque foi preso em Paris
Mario Prata.

"Dia 19 de junho, aniversário do Chico. Não o desta semana, mas o de 1998. Paris, Copa do Mundo, Chico fazendo 54 anos. Neste dia, pela tarde, jogariam Nigéria e não sei quem. Fiquei de ir assistir com ele no seu apartamento em Marais. Torcíamos fervorosamente pelo time africano.

Cheguei na hora combinada, vinho nacional debaixo do braço, animado. Toco o interfone. Nada. Espero uns dez minutos, ele poderia estar tomando banho, porque ia jogar futebol antes. Nada. Chegando a hora do jogo. Vou para a rue St. Paul. Tinha um bom boteco lá. Assisto todo o primeiro tempo. Volto para o apê dele. Toco, ele atende, a porta abre, eu subo.

- Fui preso!!!

Nem disse oi. Fui preso!!! Mesmo irritado, dava umas risadas. Preso, cara! Suado, ainda de calção e camiseta do Brasil.

- Preso?

- Eu e o Vinícius! Presos!

Vinícius era um músico que tinha ido jogador futebol com ele. Deu carona pru Chico num carro alugado.

- Dá para explicar?

- Ia chegar na hora, desculpa. O Vinícius me deixou ali na avenida. Quando eu abri a porta do carro pra sair, vinham duas bichinhas holandesas de moto e entraram na porta. Caíram, saiu sangue. Se tem sangue, tem polícia e ambulância. Aqui é assim. A gente tinha que esperar.

- Mas machucou muito?

- Porra nenhuma, um cortezinho de nada no joelho. (mostrou o tamanho do corte abrindo dois dedos) Dois pontinhos. Mas a bichinha ficava gemendo no chão. Eu com medo de passar algum jornalista brasileiro por ali.

- Somos uns 700!

- Pois é. Foi juntando gente e o cara lá no chão. Aí chega a viatura. Pede documentos pra mim e pru Vinícius. A gente não tinha. Eu tava assim, ó, desse jeito. Vou levar documento pra jogar futebol em Paris? Aí começou a complicar. O guarda já telefonou pra outro. Chegou o outro – enquanto a ambulância pegava os holandeses e...

- Como é que você sabe que eram holandeses.

- Tavam de laranja. Aí resolveram nos levar para a delegacia para fazer o B.O. Tentei argumentar com o cara, disse que era famoso no Brasil, que tava cheio de jornalista brasileiro na cidade, que ia ser um escândalo, aquele lero todo. Mas tinha que fazer o boletim de ocorrência. Tinha sangue, eles insistiam muito nisso.

- Sangrava muito (ele fez o gesto com os dedos e o corte estava ficando cada vez maior)?

- Uma bobagem. Aí o segundo guarda consentiu em fazer o B.O. dentro da viatura. Entramos lá dentro eu e o Vinícius no banco de trás e os dois no banco da frente.

- Nome, nacionalidade e profissão. Eu: Francisco, tal, brasileiro, músico. O Vinícius: Vinícius, tal, brasileiro, músico. O cara: data de nascimento. Eu: 19 de junho de 1944 (que é hoje, né?).

- Você ainda não deu espaço para o abraço.

- Deixa eu acabar. Quando eu falei 19 de junho de 44, o Vinícius começou a me olhar meio de lado. Quando perguntaram o nascimento dele, ele: 19 de junho de 1944. Você acredita, acredita? Nascemos no mesmo dia, mês e ano e é hoje. Aí os guardas começaram a achar que a gente tava gozando com a cara deles. Principalmente porque nós dois começamos a nos abraçar, falando em português, nos cumprimentando, né?, e os caras ficando irritados. Meu, eu não acredito. Quando a gente percebeu, a viatura já estava andando. Aí eu vi que eles viraram ali naquela esquina, aquela ali, e eu disse que morava aqui e podia pegar os documentos. O cara subiu aqui comigo e dizia: se você não nasceu hoje a Copa do Mundo acabou para você. Acredita, cara? Só não fui algemado. Vai ligando a televisão aí que eu vou tomar uma ducha rápido.

Ele foi subindo a escada.

- Chico, parabéns!

- Por que?

- Nada... A Nigéria tá perdendo.

- Que merda, cara!"

Um comentário:

Laura_Diz disse...

delícia. teu blog está ótimo, li sobre seu irmão tb
bj