sábado, março 17, 2007

Aquele dia - Mini conto

Aquele dia

O táxi parou na frente do prédio, eram já mais de 23:00, terceira vez na semana que chega a essa hora. Atravessou o hall e ia chamar o elevador, quando viu a vizinha de cima entrando no prédio com o cachorrinho, "aposto não que recolheu a merda da calçada", pensou enquanto se dirigia à escada para não ter que conversar com ela sobre o tempo ou outra banalidade.

Abriu a porta, pendurou o terno e a gravata, deixou a valise no aparador da ante-sala e foi para a sala de jantar. Uma garrafa de vinho estava aberta sobre a mesa, arrumada de forma elegante, as louças e os talheres de receber visitas simetricamente alinhados e intactos, gérberas amarelas no vaso ao centro.

Olhou para o sofá e a viu deitada, vestido vermelho levemente decotado, um pouco maquiada, usava o brinco e o colar que lhe dera de presente no terceiro aniversário de casamento, o cabelo já um pouco desarrumado preso do jeito que gostava, deixando a nuca descoberta revelar a velha tatuagem, "havia esquecido o quanto ela é bonita".

Lembrou-se de um dos inúmeros finais de semana que passaram na praia, um em especial quando ainda namoravam, haviam saído para caminhar à noite, o mar prateado iluminado pela lua, um ventinho sudeste leve soprando.

- Olha, uma tartaruga marinha! - disse ela espantada, segurando uma sandália em cada mão.
- Nossa! Vai voltar pro mar... que grande!
- Que surpresa, não sabiam que tartarugas vinham pra essa praia.
- É verdade, eu também não. Venho pra essa praia desde pequeno e nunca tinha visto uma. Meu avô já tinha a casa anos antes de eu nascer e ele nunca disse nada sobre tartarugas.
- Que sorte a nossa ver algo assim. E que noite linda! Essa lua, esse mar tranquilo...
- Nós dois aqui juntos - disse ele interrompendo-a. Só nós dois, parece que tudo isso aqui foi preparado pra nós, não parece?
- É verdade. Que sorte a minha te encontrar!
- Sorte a minha! Já estamos juntos a quanto tempo, quase 4 anos? Isso, quase 4 anos. Não consigo mais imaginar a vida sem você ao meu lado...
- Eu também não! Lembra como nos conhecemos? Parece que foi ontem...
- Claro que lembro!
- Eu trabalhava naquela floricultura da Rua Tuim, lá embaixo, perto daquele restaurante uruguaio ou argentino. Trabalhava como uma louca, fazia faculdade à noite, não tinha tempo pra nada. Você entrou todo esbaforido, com a mão toda preta, suja, pediu pra usar o telefone.
- Ah, aquele carro...
- É, seu carro tinha quebrado bem ali na frente, você queria ligar pra seguradora todo nervosinho. Uma graça! Desligou o telefone e nem agradeceu, saiu da loja e ficou andando de um lado pro outro por mais de uma hora lá fora.
- Ah, aquela seguradora... filhos da p.
- Não fala assim! Fui lá fora e perguntei se poderia ajudar de alguma forma, se você queria tomar um copo d'água, lavar as mãos, sei lá. Você nem lembrava que tinha me pedido pra telefonar!
- Eu tava puto!
- Eu sei, eu sei. Você aceitou a ajuda, lavou as mãos, tomou o copo d'água e ligou novamente. Os caras demoram um tempão pra chegar, ficamos conversando quanto tempo, mais de uma hora? Tão engraçado, não apareceu nem um cliente, falamos de tudo, até esqueci dos problemas. Daí os caras da seguradora chegaram e você teve que ir.
- Daí apareci no dia seguinte, depois do trabalho. Te levei uma gérbera amarela pra agradecer, fomos tomar um café, acho que você nem foi pra faculdade, ficamos um tempão conversando. Nesse dia nos beijamos pela primeira vez.
- É, parece mesmo que foi ontem. E agora estamos aqui, com essa natureza linda de presente pra nós!
- Quer casar comigo? - disse ele olhando-a nos olhos, quase não deixando-a terminar a frase.
Ela respondeu beijando-o lenta e apaixonadamente.
- Te amo!
- Também te amo!
- Jura?
- Juro!
- Você me promete então uma coisa, não, duas?
- Lá vem você de novo me fazendo prometer...
- Para, deixa de ser bobo. Promete ou não promete?
- Tá bom, tá bom. O que eu prometo?
- Promete que quando casarmos você vai parar trabalhar como um louco, que vai ter tempo pra mim?
- Ai, isso é difícil. Você sabe que...
- Não sei de nada, você disse que prometia...
- Tá bom, tá bom, prometo! Que vou te amar pra sempre, que ficaremos juntos pra sempre... e que vou trabalhar menos.
- Ótimo! Segunda promessa: que você não vai esquecer nunca esse dia. Nunca! Quero comemorar esse dia pra sempre, será nossa data, mais importante até que o dia do nosso casamento, que o dia que nos conhecemos!
- Prometo meu amor! Será nosso dia, pra sempre.

Nessa noite, de pé na sala de jantar, lembrou-se daquela noite. Daquela lua, do mar prateado, da tartaruga, do vento leve, dela vestida de branco segurando as sandálias. Era uma quinta-feira, 17 de março, exatamente 11 anos após o dia na praia. Caminhou devagar para o quarto, sem fazer barulho para não acordá-la, pensando nos problemas do trabalho e na reunião do dia seguinte com os clientes chineses. Se perguntou por que ela estava tão arrumada, porque havia arrumado a mesa daquela forma, o que havia de tão especial. Não encontrou a resposta e se deitou.

Um comentário:

Laura_Diz disse...

Gostei muito do seu conto, é comovente.
Um bj e boas férias. Laura