terça-feira, janeiro 09, 2007

Na terra de Goethe

Talvez uma das coisas mais difíceis da vida seja começar algo novo, tomar a decisão de encarar um desafio e mergulhar de cabeça. Sair da inércia e enfrentar o desconhecido é sempre difícil, mexe com nossos medos e expectativas, nos coloca frente à possibilidade de falhar ou de passar ridículo. Não interessa a situação, seja começar (ou terminar) algo muito grande (abrir um negócio, mudar de país, voltar ao seu país, pedir alguém em casamento, terminar um casamento, ter um filho etc.), ou simplesmente fazer uma pergunta na sala de aula quando somos crianças, sempre sentimos aquele frio na barriga e nos perguntamos mil vezes se realmente devemos ir pra frente com a idéia. Quantas vezes eu, que não sou dos mais tímidos, sofri na sala de aula com medo de levantar a mão para fazer uma pergunta para a Professora Ducinéia (que não nos deixava chamá-la de tia), professora de matemática da 5a série? Lembro-me também do suadouro nas mãos nos bailinhos da pré-adolescência sempre que queria convidar alguma menina para dançar uma música lenta. Acho que precisei de uns quatro bailinhos para criar coragem e fazer o primeiro convite.

O lado bom disso é que qualquer coisa nova, qualquer possibilidade que se apresenta e requer tomar uma decisão, envolve risco. Sim, risco. Risco de falhar, de se arrepender, de não agradar. Ou o risco de ter sucesso, de sentir-se realizado, totalmente completo por haver conseguido cumprir algo muito especial. Os estudiosos do "risco" o definem como "o grau de incerteza a respeito de um evento futuro", que ele está em algum lugar "entre a total incerteza e a total certeza". Definem também que existem dois tipos de riscos: os negativos ou ameaças, e os positivos ou oportunidades.

Cada um de nós, sem exceção, é mais ou menos averso a riscos. Uns ficam motivados e ansiosos, não conseguem se controlar. Outros odeiam tomar decisões e arriscar, só decidem algo sob tortura. Alguns tentam analisar todas as possibilidades, fazem planos, estatísticas, cálculos. Outros simplesmente não pensam e mergulham de cabeça, enquanto outros consultam os astros, pais de santo, recorrem a mandingas e superstições das mais estranhas e por aí vai.
Pessoalmente sou daqueles que gostam desse frio na barriga, dessa insegurança (apesar de morrer de medo de pára-quedas, montanha-russa e até roda-gigante, mas isto é outra estória). E felizmente, até hoje, a vida tem sido generosa me colocando frente a várias situações em que tive que tomar decisões. A última delas me trouxe aqui onde estou hoje: Alemanha, a terra de Goethe.

Tudo começou em 2002, quando aceitei uma proposta de emprego e deixei a empresa em que trabalhava. Esta não foi uma das decisões mais difíceis, o trabalho já não andava muito interessante, eu trabalhava como um louco até altas horas, montanhas de stress e problemas, sem contar que havia sido promovido para líder de equipe sem estar maduro o suficiente para tal. Ah, é claro, sem ter recebido aumento de salário para isto! Meu novo trabalho também parecia bem bacana - multinacional, empresa enorme, provavelmente mais organizada que a anterior. Mas o que me fez aceitá-lo foi uma simples pergunta da diretora durante a entrevista: "caso você fosse convidado, aceitaria morar e trabalhar em outro país?". Seguindo a etiqueta das entrevistas, que aprendi lendo edições e mais edições de Você SA, respondi prontamente que sim, é claro, sim senhora, é exatamente isto o que quero para minha carreira e vida, com certeza, pode acreditar. Não levei muito a sério pergunta, imaginei que este é o tipo de pergunta padrão que qualquer diretor de qualquer multinacional faz para qualquer pessoa em qualquer entrevista. Mas pensar que havia ao menos uma ínfima possibilidade, por mais remota que fosse, somada aos outros motivos que eu já tinha, foi suficiente para aceitar.

Comecei a trabalhar e o início foi péssimo. Não me identifiquei com os colegas de trabalho, o trabalho em si não era tão interessante quanto parecia ou como haviam me vendido nas entrevistas, sentia falta dos meus amigos da empresa anterior. Foram 9 meses de sofrimento, de muitas dúvidas e noites mal dormidas, me questionando por que raios eu tinha que ter aceitado esta m§$%& de proposta de emprego. Foi quando a maré mudou e meu chefe me chamou para uma conversa: "Temos um projeto global, importante, com muita interação com o mundo inteiro, principalmente com Alemanha, USA e Singapura. O Brasil será o responsável por toda a América do Sul. Quero que você seja o gerente do projeto. Aceita? Preciso decidir hoje, se você não aceitar preciso alocar outra pessoa.". Não precisei pensar nem um minuto, aceitei na hora. Qualquer coisa seria melhor que fazer o que eu estava fazendo nos últimos 9 meses. Foi só dizer sim e recebi uma outra notícia não tão agradável: "OK, ótimo! Bom, semana que vêm tem um evento enorme aqui no Brasil com gente do mundo inteiro, presidente da empresa, vice-presidentes, diretores etc. Alguém precisa fazer uma apresentação pelo Brasil explicando o projeto, sua importância para a empresa etc. E claro, que não preciso dizer que é em inglês, né? Boa sorte!". Assim que saí da sala liguei para minha esposa. Não me lembro como comecei a contar a novidade, mas aposto que disse algo como: "Tô fodido! Tenho que fazer uma apresentação em inglês semana que vem!". Felizmente nos anos anteriores eu havia investido muito suor e dinheiro para a aprender a língua, no final deu tudo certo, até me elogiaram.

O projeto mostrou-se o melhor trabalho que já fiz até hoje. Aprendi muito, conheci muita gente nova e diferente, viajei para muitos lugares (Singapura, Tailândia, México, USA, Colômbia, Argentina, Alemanha, França). E graças a ele recebi o convite para trabalhar dois anos na Alemanha. Pra variar a resposta tinha que ser rápida, no máximo até o final da semana. Minha esposa e eu discutimos muito, pesamos tudo e resolvemos aceitá-la.
Resultado: desde Julho/2006 estou morando em Mannheim, na Bundesland (estado) de Baden-Würtemberg, sudoeste alemão. Cheguei aqui no verão, em plena Copa do Mundo, em tempo para ver o Brasil perder daquela forma vergonhosa. :-(
Até agora tudo vai bem, já estou bem acostumado com a vida aqui. O duro é ficar longe da família, amigos e da fantástica culinária brasileira. A língua também é um problema, às vezes tenho impressão que vou embora pro Brasil sem conseguir falá-la (um amigo me disse uma vez que a vida é muito curta para se aprender alemão...). Em compensação a cerveja é ótima, gosto de comer lingüiças e salsichas, também de batata, a Europa toda está ali na esquina para ser visitada. (havia esquecido, mas o inverno também pode ser um problema, provavelmente terei que investir no guarda-roupa)

Quanto a esse blog, vamos ver no que vai dar. Pensei em escrever sobre a experiência aqui, sobre curiosidades germânicas, sobre as diferenças para o nosso querido Brasil. Talvez também sobre o que penso da vida, dicas de viagem ou qualquer outra bobagem que der na telha. Se conseguir ter disciplina para continuar escrevendo já me dou por satisfeito.

Tschüss und viel Spaß!
Zeca

3 comentários:

Lili disse...

Boa sorte, Zeca!
Persista, tenha paciência consigo e escreva, sim, que vai te fazer muito bem.
;o)

Lili disse...

P.S.: O café está ótimo! rs

Zeca disse...

Valeu Lili!